domingo, 22 de maio de 2011

REPENSANDO A DIDATICA - VEIGA, Ima p. Alencastro


O texto e uma retrospectiva histórica da didática em duas divisões. A primeira mostra o período em que a disciplina não faz da formação acadêmica, os primórdios, quando os jesuítas estavam no Brasil. A segunda exibe o caminho percorrido pela didática desde a década de trinta até os dia atuais.
A didática é um elemento importante no ato de dar aulas, especialmente quando falamos
de formação profissional. O presente estudo visa contribuir para construção do fazer
pedagógico contínuo, a partir da problematização do estágio supervisionado de alunos em
dois últimos períodos da formação de professores em Educação Física para atuação em
ambientes formais e não formais. Desse modo, discutimos especialmente o processo de
elaboração de relatórios a serem apresentados para conclusão da disciplina.
Palavras-Chave – Didática – Formação de Professores – Estágio Supervisionado
No período colonial os jesuítas eram os principais educadores e entre 1549 e 1759. O trabalho deles na educação não podeia ser considerado pedagógico e nem podia construir uma didática, os métodos utilizados eram completamente dogmático e não  admitia o pensamento crítico. O ensino priorizava o exercício da memória e era voltado mais para a formação de padres e mestres a fim de manterem o poder, assim nesse primeiro momento da educação o Brasil embora tenha se constituído ainda uma pedagogia, a tendência que se aproximava mais da  utilizada por eles e a liberal tradicional. Após os jesuítas serem expulso do país não houve grandes movimentos educacionais no Brasil, por exemplo  a nova organização instituída por pombal significou um retrocesso no avanço pedagógico da educação. Nesse sentido, por  volta de 1870 o pais passou por transformações sócio econômica e assim assumiu a educação desse modo , o ensino religioso foi totalmente abolido dos currículos escolares, e instituída a escoa laica universal gratuita, cuja tendência pedagogia era essencialmente tradicional, uma didática que separava  teoria da pratica. Em a930, no período  Vargas, foi instuito o Ministerio da educação, em 1932 a escola nova, o ensino superior, e ,assim depois de um século em 1934,  a didática foi inclusa nos currículos de formação de professores. Nesse período, encontrou-se inúmeros problemas ára se estabelecer a didática como disciplina, pois estava entre duas influencias justaposta; a influencia humanista ( representada pelos católicos) e pela humanista moderna ( representada pelos pioneiros). As concepções modernas se baseiam na visão de homem no sentido de existência, na vida, na atividade etc. o prodomíio do psicológico sobre o lógico: defende princípios democráticos, porém a sociedade era de classes, ou seja, dividida e havia o predomínio do psicológico sobre o lógico: defende princípios democráticos, porem a sociedade era de classe, ou seja dividia e havia predomínio do dominante sobre o dominado. Considerando tudo isso, a didática passa a ser entendida com um conjunto de métodos que privilegiam a dimensão técnica do processo qde ensino dentro deste contexto técnico cientifico e propiciou a formação de um novo perfil de professor: o técnico, assim nesse período prevaleceu mais a tendência liberal tecnicista. Entre o período de 19458 e 1960 houve transformações e lutas ideológica, por exemplo, a didática foi desobrigada do currículo de formação,
 Houve lutas em torno da oposição entre escola publica e particular. Porém, embora o ensino da didática tenha ficado em segundo plano, ela continuava obedecendo ao modelo liberalista que priorizava o ensino técnico. Depois de 1960, houve ainda um maior retrocesso pedagógico: uma nova resolução tornou a didática mais tecnicista que desvinculou ainda mais teoria da pratica. Por isso nos cursos de formação de professores houve uma luta contrária ao ensino técnico que busca uma nova visão e novos rumos. Atualmente a didática tme encontrado novos rumos, através de uma pedagogia critica que não esta centrada nos métodos técnicos, mas procura envolver o aluno na sociedade e une a teoria a prática ampliando a visão de conhecimento educando e a visão de ensino do professor. Assim, as tendências pedagógicas no momento são de cunho progressista, embora não há como ser totalmente progressista. O ideal e que use a tradicional e as demais quando necessário.

PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO


MOREIRA, Maria Tereza da Cunha Coutinho Mércia. Teoria – Sócio – Histórica de Vygotsky in Psicologia da Educação. Belo Horizonte: Editora Lé, 2001.
Vygotsky ao questionar-se sobre as origens e a natureza das funções humanas, insatisfeito com as soluções dadas por outros teóricos, começa então uma busca por respostas no estudo do ser humano. Sua teoria consiste em estudar as funções da consciência humana e o aprendizado do ser, ao estudar os processos mentais, começa o mesmo a entender que estes necessitam dos processos sociais para a formação do indivíduo, estabelece então ralações entre as formas de comportamento e como estas influenciam na constituição dos fenômenos psicológicos propriamente humanos. Propõe então em sua teoria a mediação semiótica que consiste em certo ponto, na articulação de interligação entre outros conceitos como, a linguagem, internalização, desenvolvimento dentre outras característica estudadas, a idéia em suma é uma junção da teoria de Marx que consiste nos atos do indivíduo com a natureza, e da transformação que este mesmo faz a natureza e os meios de auxilio ou ferramentas mediadoras, que neste caso promovem o desenvolvimento histórico – social, é nesta visão que o teórico forma seu pensamento, Vygotsky estuda áreas do aprendizado humano – infantil, observando de perto a mediação desses auxílios, que permitem o controle e a estruturação do comportamento do ser. Mostra que todas as transformações pelas quais os indivíduos passam, são transformações que somam as suas capacidades e ao seu desenvolvimento, são nessas conquistas processuais que o mesmo consegue assimilar através de internalizações os processos a sua volta, para o seu próprio interior. Aprofunda-se na linguagem, ou nas funções que essa linguagem produz no ser, e a formação e assimilação da mesma no processo do desenvolvimento, do aprendizado, da construção da mentalidade e funcionamento interno do indivíduo. Gradativamente o teórico consegue compreender a construção do processo de desenvolvimento, do acúmulo de mudanças estruturais, e da aquisição de novas capacidades, são nesses processos que a formação complexa do indivíduo, suas formações mentais superiores e toda sua realidade são definidas. Na teoria de Vygotsky que em essencial é, a definição de que os processos de desenvolvimento podem ser favorecidos pelas experiências de aprendizagem, onde a construção de conhecimento é necessária, mas que desenvolver se cognitivamente também é preciso.
MOREIRA, Maria Tereza da Cunha Coutinho Mércia. Teoria Psicogenética de Jean Piaget in Psicologia da Educação. Belo Horizonte: Editora Lé, 2001.
O processo de construção do conhecimento para Jean Piaget em sua teoria, tenta explicar como o conhecimento se forma no indivíduo, como este mesmo se amplia e como evolui, sua teoria consiste em fundamentar as bases do dinamismo da constituição deste conhecimento no individuo, Piaget explica a construção e formação do conhecimento como um processo de construção contínuo, valendo-se de estratégias metodológicas inovadoras, ele estuda o indivíduo em várias esferas de produção de conhecimento. Piaget percebe a estruturação da própria inteligência, estrutura essa conhecida como cognitiva, que em função básica consiste em adaptações dos sistemas e estruturas presenciados pelo indivíduo. Então formula dentro de sua teoria, estágios para a formação da inteligência, estágios estes ligados a prática e ao sensor, sendo estes mesmo partes do desenvolvimento do ser. O sujeito para Piaget tenta explicar as questões a sua volta, é a partir deste ponto, que o mesmo desenvolve o processo de construção do próprio conhecimento, fazendo parte deste contexto a autonomia do indivíduo, fazendo essa construção do conhecimento possível, quando esta autonomia produz o desenvolvimento no mesmo. Em resumo ao contexto da teoria, Piaget tenta permitir que todos consigam entender o processo de aprendizagem como construção do conhecimento e deduzir o desenvolvimento e as leis próprias para o mesmo. Articulando todas as áreas cabíveis ao desenvolvimento do ser, Piaget explica a rede de possibilidades possíveis e seus conjuntos de combinações próprias e estruturais para o desenvolvimento da formação intelectual de cada indivíduo.
MOREIRA, Maria Tereza da Cunha Coutinho Mércia. Psicologia da Educação. Belo Horizonte: Editora Lé, 2001.
         As teorias tentam explicar o conhecimento mediante a participação e apropriação do individuo, individuo este que constrói seu conhecimento mediante ao conhecimento dos objetos e métodos de promoção e desenvolvimento do próprio conhecimento ao decorrer de cada ciclo de suas vidas. Ambas as teorias trabalham com a formação do intelecto, da capacidade de aprendizagem e assimilação dos indivíduos de tudo que lhes é proposto tanto pelos meios diversificados meios com os quais o ser está sempre em contato e que de alguma maneira permite transformações únicas em cada um. Essas teorias vêm exemplificar e explicar as capacidades do ser, trazem soluções para áreas diversificadas e principalmente para os métodos psicológicos do estudo do homem. Aprende-se então que a aprendizagem organizada na constituição de cada indivíduo tem aspectos essenciais para interiorização do próprio organismo do ser em seu desenvolvimento propriamente dito. Enfatiza-se assim a necessidade de um aprendizado estruturado na capacidade de desenvolvimento de cada ser em seu estagio de adequação momentâneo, permitindo que cada um dos indivíduos simplesmente direcione – se, ao seu devido espaço – tempo necessário. Propondo as condições necessárias para a manutenção e desenvolvimento desejável da construção do desenvolvimento do conhecimento e das questões psicogenéticas do ser em questão, ambos os teóricos preconizaram assim os passos para o estudo da relação que o homem faz com o espaço que permeia, habita, e as transformações que o mesmo, sendo em constituição de simples de espaço e objetos fazem no próprio homem.

PRATICA EDUCATIVA: COMO ENSINAR. – ANTONI ZABALA

Zabala, Antoni. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998
 
O livro de Antoni Zabala objetiva “oferecer determinados instrumentos que ajudem [os professores] a interpretar o que acontece na aula, conhecer melhor o que pode se fazer e o que foge às suas possibilidades; saber que medidas podem tomar para recuperar o que funciona e generalizá-lo, assim como para revisar o que não está tão claro” (p.24).

1 - A Prática Educativa: unidades de análise
O autor inicia o primeiro capítulo afirmando que “um dos objetivos de qualquer bom profissional consiste em ser cada vez mais competente em seu ofício” (p. 13). Esta competência é adquirida mediante o conhecimento e a experiência.
Para Zabala a melhora de qualquer das atuações humanas passa pelo conhecimento e pelo controle das variáveis que intervêm nelas. Conhecer essas variáveis permitirá ao professor, previamente, planejar o processo educativo, e, posteriormente, realizar a avaliação do que aconteceu. Portanto, em um modelo de percepção da realidade da aula estão estreitamente vinculados o planejamento, a aplicação e a avaliação.
Para analisar a prática educativa, Zabala elege como unidade de análise básica a atividade ou tarefa – exposição, debate, leitura, pesquisa bibliográfica, observação, exercícios, estudo, etc. – pois ela possui, em seu conjunto, todas as variáveis que incidem nos processos de ensino/aprendizagem. A outra unidade eleita são as sequências de atividades ou sequências didáticas: “conjunto de atividades ordenadas, estruturadas e articuladas para a realização de certos objetivos educacionais, que têm um princípio e um fim conhecidos tanto pelos professores como pelos alunos” (p. 18). Ou seja, a sequência didática engloba as atividades.Apoiando em Joyce e Weil (1985), em Tann (1990) e em Hans Aebli (1988) Zabala determina as variáveis que utilizará para a análise da prática educativa, quais sejam: as sequências de atividades de ensino/aprendizagem ou sequências didáticas; o papel do professor e dos alunos; a organização social da aula; a maneira de organizar os conteúdos; a existência, as características e uso dos materiais curriculares e outros recursos didáticos; o sentido e o papel da avaliação.
Considerando a função social do ensino e o conhecimento do como se aprende como os instrumentos teóricos que fazem com que a análise da prática seja realmente reflexiva, Zabala utiliza dois grandes referenciais: o primeiro está ligado ao sentido e o papel da educação. As fontes utilizadas são a sócio-antropológica, que está determinada pela concepção ideológica da resposta à pergunta “para que educar?”; e a fonte epistemológica, que define a função do saber, dos conhecimentos e das disciplinas. Este referencial busca o sentido e a função social que se atribui ao ensino. O outro referencial engloba as fontes psicológica e didática. Dificilmente pode se responder à pergunta “como ensinar?”, objeto da didática, se não se sabe sobre os níveis de desenvolvimento, os estilos cognitivos, os ritmos e as estratégias de aprendizagem. Este busca a concepção dos processos de ensino/aprendizagem.2 A Função Social do Ensino e a Concepção sobre os Processos de Aprendizagem: instrumentos de análiseCom base no ensino público da Espanha, Zabala afirma que, além das grandes declarações de princípios, sua função social “tem sido selecionar os melhores em relação à sua capacidade para seguir uma carreira universitária ou para obter qualquer outro título de prestígio reconhecido” (p. 27), subvalorando o valor informativo dos processos que os alunos/as seguem ao longo da escolarização.Uma forma de determinar os objetivos da educação é analisar as capacidades que se pretende desenvolver nos alunos. Contudo, existem diferentes formas de classificar as capacidades do ser humano. Zabala utiliza a classificação proposta por Coll – capacidades cognitivas ou intelectuais, motoras, de equilíbrio e autonomia pessoal (afetivas), de relação interpessoal e de inserção e atuação social. Mas quais os tipos de capacidade que o sistema educativo deve levar em conta?Diretamente relacionados aos objetivos da educação estão os conteúdos de aprendizagem. Coll (1986) os agrupa em conteúdos conceituais – fatos, conceitos e princípios – procedimentais – procedimentos, técnicas e métodos – ou atitudinais – valores, atitudes e normas. Classificação que corresponde, respectivamente, às perguntas: “O que se deve saber?”, “O que se deve saber fazer?” e “Como se deve ser?”. Assim, no ensino que propõe a formação integral a presença dos diferentes tipos de conteúdo estará equilibrada; por outro lado, um ensino que defende a função propedêutica e universitária priorizará os conceituais.Quanto ao segundo referencial de análise – a concepção dos processos da aprendizagem – Zabala afirma que não é possível ensinar nada sem partir de uma ideia de como as aprendizagens se produzem. As aprendizagens dependem das características singulares de cada um dos aprendizes. Daí decorre que um enfoque pedagógico deve observar a atenção à diversidade dos alunos como eixo estruturador. Assim, o critério para estabelecer o nível de aprendizagem serão as capacidades e os conhecimentos prévios de cada aluno/a. Esta proposição marcará também a forma de ensinar.Zabala defende a concepção construtivista como aquela que permite compreender a complexidade dos processos de ensino/aprendizagem. Para esta concepção “o ensino tem que ajudar a estabelecer tantos vínculos essenciais e não-arbitrários entre os novos conteúdos e os conhecimentos prévios quanto permita a situação” (p. 38). Na concepção construtivista, o papel ativo e protagonista do aluno não se contrapõe à necessidade de um papel também ativo do educador. A natureza da intervenção pedagógica estabelece os parâmetros em que pode se mover a atividade mental do aluno, passando por momentos sucessivos de equilíbrio, desequilíbrio e reequilíbrio. Nesse processo intervêm, junto à capacidade cognitiva, fatores vinculados às capacidades de equilíbrio pessoal, de relação interpessoal e de inserção social.Após expor, em condições gerais, o processo de aprendizagem segundo a concepção construtivista, o autor passa a expor sobre a aprendizagem dos conteúdos conforme sua tipologia.Os conteúdos factuais englobam o conhecimento de fatos, situações, dados, fenômenos concretos e singulares. São conhecimentos indispensáveis para a compreensão da maioria das informações e problemas que surgem na vida cotidiana e profissional. Considera-se que o aluno/a aprendeu um conteúdo factual quando é capaz de reproduzi-lo, portanto, a compreensão não é necessária. Diz-se que o aluno/a aprendeu quando é capaz de recordar e expressar de maneira exata o original. Quando se referem a acontecimentos pede-se uma lembrança o mais fiel possível. Se já se tem uma boa compreensão dos conceitos a que se referem os dados, fatos ou acontecimentos, a atividade fundamental para sua aprendizagem é a cópia. Este caráter reprodutivo comporta exercícios de repetição verbal, listas e agrupadas segundo ideias significativas, relações com esquemas e representações gráficas, associações, etc. Para fazer estes exercícios de caráter rotineiro é imprescindível uma atitude ou predisposição favorável.Os conteúdos conceituais abrangem os conceitos e princípios. Os conceitos se referem ao conjunto de fatos, objetos ou símbolos que têm características comuns, e os princípios se referem às mudanças que se produzem num fato, objeto ou situação em relação a outros fatos, objetos ou situações e que, normalmente, descrevem relações de causa-efeito ou de correlação. Considera-se que o aluno/a aprendeu quando este é capaz não apenas repetir sua definição, mas também utilizá-la para a interpretação, compreensão ou exposição de um fenômeno ou situação; quando é capaz de situar os fatos, objetos ou situações concretas naquele conceito que os inclui.Um conteúdo procedimental é um conjunto de ações coordenadas dirigidas para a realização de um objetivo. São conteúdos procedimentais: ler, desenhar, observar, calcular, classificar, traduzir, recortado, saltar, inferir, espetar, etc. Em termos gerais aprendem-se os conteúdos procedimentais a partir de modelos especializados. A realização das ações que compõem o procedimento ou a estratégia é o ponto de partida. O segundo passo é que a exercitação múltipla – fazê-lo tantas vezes quantas forem necessárias – é o elemento imprescindível para o domínio competente do conteúdo. A reflexão sobre a própria atividade é o terceiro passo e permite que se tome consciência da atuação. O quarto e último passo é a aplicação em contextos diferenciados que se baseia no fato de que aquilo que se aprende será mais útil na medida em que se pode utilizá-lo em situações nem sempre previsíveis.O termo conteúdo atitudinal engloba valores, atitudes e normas. Cada grupo apresentando uma natureza suficientemente diferenciada. Considera-se que o aluno adquiriu um valor quando este foi interiorizado e foram elaborados critérios para tomar posição frente àquilo que deve se considerar positivo ou negativo. Que aprendeu uma atitude quando pensa, sente e atua de uma forma mais ou menos constante frente ao objeto concreto para quem dirige esta atitude. E que aprendeu uma norma, considerando três graus: o primeiro quando se trata de uma simples aceitação; o segundo quando existe uma conformidade que implica certa reflexão sobre o que significa a norma; e o último grau quando interioriza a norma e aceita como regra básica de funcionamento da coletividade que a rege.Concluindo, Zabala identifica e diferencia a concepção tradicional da concepção construtivista, a partir dos dois referenciais básicos para a análise da prática. Na concepção tradicional a sequência de ensino/aprendizagem deve ser a aula magistral, que corresponde aos objetivos de caráter cognitivo, aos conteúdos conceituais e à concepção da aprendizagem como um processo acumulativo através de propostas didáticas transmissoras e uniformizadoras. As relações interativas são de caráter diretivo: professor
aluno; os tipos de agrupamentos se circunscrevem às atividades de grande grupo. A distribuição do espaço reduz-se ao convencional. Quanto ao tempo, estabelece-se um módulo fixo para cada área com uma duração de uma hora. O caráter propedêutico do ensino faz com que a organização dos conteúdos respeite unicamente a lógica das matérias. O livro didático é o melhor meio para resumir os conhecimentos e, finalmente, a avaliação tem um caráter sancionador centrado exclusivamente nos resultados.A concepção construtivista apresenta uma proposta de compreensividade e de formação integral, impulsionando a observar todas as capacidades e os diferentes tipos de conteúdo. O ensino atende à diversidade dos alunos, portanto a forma de ensino não pode se limitar a um único modelo. Conforme Zabala (p. 51) “é preciso introduzir, em cada momento, as ações que se adaptem às novas necessidades informativas que surge constantemente”. O objetivo será a melhoria da prática. Nesta concepção, o conhecimento e o uso de alguns marcos teóricos levarão a uma verdadeira reflexão sobre a prática, fazendo com que a intervenção pedagógica seja o menos rotineira possível.3 As Sequências Didáticas e as Sequências de ConteúdoNeste capítulo o autor apresenta o estudo da primeira variável que incide sobre as práticas educativas: a sequência didática. Ele apresenta quatro unidades didáticas como exemplo e as analisa sob os aspectos do conteúdo, da aprendizagem, da atenção à diversidade e da sequência e tipologia dos conteúdos.O autor conclui que nestas propostas de trabalho aparecem para os alunos diferentes oportunidades de aprender diversas coisas, e para os professores, uma diversidade de meios para captar os processos de construção que eles edificam, de possibilidades de neles incidir e avaliar. Que os diferentes conteúdos que os professores apresentam aos alunos exigem esforços de aprendizagem e ajudas específicas.Refletir sobre o processo ensino/aprendizagem implica apreender o que está sendo proposto de maneira significativa. Discernir o que pode ser objeto de uma unidade didática, como conteúdo prioritário do que exige um trabalho mais continuado pode nos conduzir a estabelecer propostas mais fundamentadas, suscetíveis de ajudar mais os alunos e a nós mesmos. As diferentes propostas didáticas analisadas têm diferentes potencialidades quanto à organização do ensino. Portanto, “mais do que nos movermos pelo apoio acrítico a um outro modo de organizar o ensino devemos dispor de critérios que nos permitem considerar o que é mais conveniente num dado momento para determinados objetivos a partir da convicção de que nem tudo tem o mesmo valor, nem vale para satisfazer as mesmas finalidade. Utilizar esses critérios para analisar nossa prática e, se convém, para reorientá-la” (p.86).4 As Relações Interativas em Sala de Aula: o papel dos professores e dos alunosPara Zabala (p. 89) as relações de que se estabelecem entre os professores, os alunos e os conteúdos de aprendizagem constituem a chave de todo o ensino e definem os diferentes papéis dos professores e dos alunos.A concepção tradicional atribui ao professor o papel de transmissor de conhecimentos e controlador dos resultados obtidos. Ao aluno cabe interiorizar o conhecimento que lhe é apresentado. A aprendizagem consiste na reprodução da informação. Esta maneira de entender a aprendizagem configura uma determinada forma que relacionar-se em classe.Na concepção construtivista ensinar envolve estabelecer uma série de relações que devem conduzir à elaboração, por parte do aprendiz, de representações pessoais sobre o conteúdo. Trata-se de um ensino adaptativo, isto é, um ensino com capacidade para se adaptar às diversas necessidades das pessoas que o protagonizam. Portanto, os professores podem assumir desde uma posição de intermediário entre o aluno e a cultura, a atenção para a diversidade dos alunos e de situações à posição de desafiar, dirigir, propor, comparar. Tudo isso sugere uma interação direta entre alunos e professores, favorecendo a possibilidade de observar e de intervir de forma diferenciada e contingente nas necessidades dos alunos/as.Do conjunto de relações necessárias para facilitar a aprendizagem se deduz uma série de funções dos professores, que Zabala (p. 92-104) caracteriza da seguinte maneira:a) Planejar a atuação docente de uma maneira suficientemente flexível para permitir adaptação às necessidades dos alunos em todo o processo de ensino/aprendizagem. Por um lado, uma proposta de intervenção suficientemente elaborada; e por outro, com uma aplicação extremamente plástica e livre de rigidez, mas que nunca pode ser o resultado da improvisação. b) Contar com as contribuições e os conhecimentos dos alunos, tanto no início das atividades como durante sua realização.c) Ajudá-los a encontrar sentido no que estão fazendo para que conheçam o que têm que fazer, sintam que podem fazê-lo e que é interessante fazê-lo.d) Estabelecer metas ao alcance dos alunos para que possam ser superadas com o esforço e a ajuda necessários.e) Oferecer ajudas adequadas, no processo de construção do aluno, para os progressos que experimenta e para enfrentar os obstáculos com os quais se depara.f) Promover atividade mental auto-estruturante que permita estabelecer o máximo de relações com novo conteúdo, atribuindo-lhe significado no maior grau possível e fomentando os processos de meta-cognição que lhe permitam assegurar o controle pessoal sobre os próprios conhecimentos e processos durante a aprendizagem.g) Estabelecer um ambiente e determinadas relações presididos pelo respeito mútuo e pelo sentimento de confiança, que promovam a auto-estima e o autoconceito.h) Promover canais de comunicação que regulem os processos de negociação, participação e construção.i) Potencializar progressivamente a autonomia dos alunos na definição de objetivos, no planejamento das ações que os conduzirão aos objetivos e em sua realização e controle, possibilitando que aprendam a aprender.j) Avaliar os alunos conforme suas capacidades e seus esforços, levando em conta o ponto pessoal de partida e o processo através do qual adquirem conhecimentos e incentivando a auto-avaliação das competências como meio para favorecer as estratégias de controle e regulação da própria atividade.Concluindo, Zabala afirma que os princípios da concepção construtivista do ensino e da aprendizagem escolar proporcionam alguns parâmetros que permitem orientar a ação didática e que, de maneira específica ajuda a caracterizar as interações educativas que estrutura a vida de uma classe, estabelecendo as bases de um ensino que possa ajudar os alunos a se formarem como pessoas no contexto da instituição escolar.5 A Organização Social da ClasseNeste capítulo Zabala analisa a organização social da classe. As diversas formas de agrupamento dos alunos são úteis para diversos objetivos e para o trabalho de diferentes conteúdos. Historicamente a forma mais habitual de preparar as pessoas mais jovens para sua integração na coletividade eram os processos individuais. Atualmente são diversas as formas de agrupamento dos alunos e de organização das atividades às quais o professor pode recorrer.A primeira configuração considerada pelo autor é o grupo/escola em que toda escola tem uma forma de estrutura social determinada. As características desta organização grupal são determinadas pela organização e pela estrutura de gestão da escola e pelas atividades que toda escola realiza. O grupos/classe fixos é a maneira convencional de organizar os grupos de alunos nas escolas. Além de sua facilidade organizativa, oferece aos alunos um grupo de colegas estável, favorecendo as relações interpessoais e a segurança efetiva. A terceira configuração, os grupos/classes móveis ou flexíveis são agrupamentos em que os componentes do grupo/classe são diferentes conforme as atividades, áreas ou matérias. As vantagens são, por um lado, a capacidade de ampliar a resposta à diversidade de interesses e competências dos alunos e, por outro, que em cada grupo existe uma homogeneidade que favorece a tarefa dos professores. Na organização da classe como grande grupo todo o grupo faz o mesmo ao mesmo tempo. É uma forma de organização apropriada para o ensino de fatos; no caso dos conceitos e princípios aparecem muitos problemas. Para os conteúdos procedimentais é impossível atender a diversidade; no caso dos conteúdos atitudinais o grande grupo é especialmente adequado para a assembléia, mas é insuficiente. A organização da classe em equipes fixas consiste em distribuir os alunos em grupos de 5 a 8 componentes, durante um período de tempo. As equipes fixas oferecem numerosas oportunidades para trabalhar conteúdos atitudinais. A sexta configuração é a organização da classe em equipes móveis ou flexíveis. Implica o conjunto de dois ou mais alunos com a finalidade de desenvolver uma tarefa determinada. São adequadas para o trabalho de conteúdos procedimentais. Também será apropriada para o trabalho dos conteúdos atitudinais no âmbito das relações interpessoais. O trabalho individual é especialmente útil para memorização de fatos, para o profundamente da memorização posterior de conceitos e, especialmente, para a maioria dos conteúdos procedimentais. Uma forma de trabalho individual especialmente útil é o denominado por Freinet de “contrato de trabalho”. Nos “contratos de trabalho” cada aluno estabelece um acordo com o professor sobre as atividades que deve realizar durante um período de tempo determinado. Essa forma trabalho é interessante só para aqueles conteúdos que permitem estabelecer uma sequência mais ou menos ordenada, ou seja, alguns conteúdos factuais e muitos conteúdos procedimentais.Concluindo: a forma de agrupar os alunos não é uma decisão técnica prévia ou independente do que se quer ensinar e de que aluno se quer formar; os trabalhos em grupo não excluem o trabalho e o esforço individuais; os contratos de trabalho podem constituir-se num instrumento eficaz para articulara um trabalho personalizado interessante e pelo qual o aluno sinta responsável; o papel formativo do grupo/escola condiciona o que pode se fazer nos diferentes níveis da escola, educativamente falando, ao mesmo tempo que constitui um bom indicador da coerência entre as intenções formativas e os meios para alcançá-las.Quanto à distribuição do espaço: na estrutura física das escolas, os espaços de que dispõe e como são utilizados corresponde a uma ideia muito clara do que deve ser o ensino. Parece lógica que a distribuição atual das escolas continue a ser um conjunto de salas de aula com um conjunto de cadeiras e mesas enfileiradas e alinhadas de frente para o quadro-negro e para a mesa do professor. Trata-se de uma disposição espacial criada em função do protagonista da educação, o professor.A utilização do espaço começa a ser problematizada quando o protagonismo do ensino se desloca do professor para o aluno. Criar um clima e um ambiente de convivência que favoreçam as aprendizagens se converte numa necessidade da aprendizagem e num objetivo do ensino. Ao mesmo tempo, as características dos conteúdos a serem trabalhados determinam novas necessidades espaciais. Para a aplicação dos conteúdos procedimentais torna-se necessário revisar o tratamento do espaço já que é necessária uma atenção às diferenças. Quanto aos conteúdos atitudinais, excetuando-se o papel da assembleia e das necessidades de espaço dessa atividade, sua relação com a variável espaço está associada à série de manifestações que constituem a maneira de entender os valores por parte da escola.
Quanto à distribuição do tempo: o tempo teve, e ainda tem, um papel decisivo na configuração das propostas metodológicas. Muitas das boas intenções podem fracassar se o tempo não for considerado como uma autêntica variável nas mãos dos professores.A estruturação horária em períodos rígidos é o resultado lógico de uma escola fundamentalmente transmissora. A ampliação dos conteúdos educativos e, sobretudo, uma atuação consequente com a maneira como se produzem as aprendizagens leva os professores a reconsiderar que estes modelos inflexíveis. No entanto, é evidente que o ritmo da escola, de toda uma coletividade, não pode se deixar levar pela aparente improvisação. O planejamento torna-se necessário para que se estabeleça um horário que pode variar conforme as atividades previstas no transcurso de uma semana.6 A Organização dos ConteúdosAs relações e a forma de vincular os diferentes conteúdos de aprendizagem que formam as unidades didáticas é o que se denomina organização de conteúdos. Existem duas proposições acerca das formas de organizá-los: uma baseada nas disciplinas ou matérias; e a outra, oferecida pelos métodos globalizados, onde os conteúdos das unidades didáticas passam de uma matéria para outra sem perder a continuidade.A diferença básica entre os dois modelos está no fato de que para os métodos globalizados as disciplinas não são a finalidade básica do ensino, senão que tem a função de proporcionar os meios ou instrumentos que deve favorecer a realização dos objetivos educacionais; o referencial organizador fundamental é o aluno e suas necessidades educativas. No caso dos modelos disciplinares a prioridade básica são as matérias e sua aprendizagem.Tomando as disciplinas como organizadoras dos conteúdos têm-se, na escola, as diversas formas de relação e colaboração entre as diferentes disciplinas que foram consideradas matéria de estudo possibilitando estabelecer três graus de relações disciplinares:1) Multidisciplinaridade: é a mais tradicional. Os conteúdos escolares são apresentados por matérias independentes umas das outras.2) Interdisciplinaridade: é a interação entre duas ou mais disciplinas que pode ir desde a simples comunicação de ideias até a integração recíproca dos conceitos fundamentais, da teoria do conhecimento, da metodologia e dos dados da pesquisa.3) Transdisciplinaridade: supõe uma integração global dentro de um sistema totalizador. Este sistema favorece uma unidade interpretativa, com objetivo de constituir uma ciência que explique a realidade sem parcelamento. Nesta concepção pode se situar o papel das áreas na educação infantil e nas séries iniciais do ensino fundamental, onde uma aproximação global de caráter psicopedagógico determina certas relações de conteúdos com pretensões integradoras.Quanto aos métodos globalizados, sua perspectiva se centra exclusivamente no aluno e suas necessidades educacionais. Os conteúdos que são trabalhados procedem de diferentes disciplinas, apesar de que o nexo que há entre elas não segue nenhuma lógica disciplinar. Esse método nasce a partir do termo sincretismo introduzido por Claparède e, posteriormente, Decroly com termo globalismo.Existem vários métodos que podem ser considerados globalizados, dentre eles quatro, por sua vigência atual, são analisados no livro: os centros de interesse de Decroly, o sistema de projetos de kilpatrick, o estudo do meio do MCE e os projetos de trabalho globais. O autor os analisa indicando seus pontos de partida, suas sequências de ensino/aprendizagem e suas justificativas. Zabala conclui que, embora todos priorizem o aluno e o como se aprende, o aspecto que enfatizam na função social é diferente. No centro de interesse a função social consiste em formar cidadãos preparados para conhecer e interagir com o meio; o método de projetos de Kilpatrick considera que sua finalidade é a preparação para a vida de pessoas solidárias que sabem fazer; para o método de estudo do meio a formação de cidadãos democráticos e com espírito científico; e, finalmente, os projetos de trabalho globais entendem que o objetivo é a formação de cidadãos e cidadãs capazes de aprender a aprender. Contudo, apesar das diferenças, o objetivo básico desses métodos consiste em conhecer a realidade e saber se desenvolver nela.Concluindo, o autor afirma que inclinar-se por um enfoque globalizador como instrumento de ajuda para a aprendizagem e o desenvolvimento dos alunos não supõe a rejeição das disciplinas e dos conteúdos escolares. Pelo contrário, implica atribuir-lhes seu verdadeiro e fundamental lugar no ensino, que vai além dos limites estreitos do conhecimento enciclopédico, para alcançar sua característica de um instrumento de análise, compreensão e participação social. Esta característica é que os tornam suscetíveis de contribuir de forma valiosa para o crescimento pessoal, uma vez que fazem parte da bagagem que determina o que somos, o que sabemos e o que sabemos fazer.7 Os Materiais Curriculares e os outros Recursos DidáticosOs materiais curriculares são todos aqueles instrumentos que proporcionam ao educador referências e critérios para tomar decisões, tanto no planejamento como na intervenção direta no processo de ensino/aprendizagem e de sua avaliação. Por suas características eles podem ser classificados conforme o âmbito de intervenção a que se referem, conforme sua intencionalidade ou função, conforme os conteúdos que desenvolvem e conforme o tipo de suporte que utiliza.Na sequência o autor analisa o uso dos materiais didáticos conforme a tipologia dos conteúdos, o suporte dos diferentes recursos – sua utilização, vantagens e inconvenientes, elabora propostas de materiais curriculares para a escola e indica alguns critérios para análise e seleção dos materiais, quais sejam: detectar os objetivos educativos subjacente a um determinado material; verificar que conteúdos são trabalhados; verificar a sequência de atividades propostas para cada um dos conteúdos; analisar cada uma das sequência de atividades propostas para comprovar se cumprem os requisitos da aprendizagem significativa; e estabelecer o grau de adaptação ao contexto em que serão utilizados.A conclusão do autor: de nenhum modo os materiais curriculares podem substituir a atividade construtiva do professor, nem a dos alunos, na aquisição das aprendizagens. Mas é um recurso importantíssimo que, se bem utilizado, não apenas potencializa o processo como oferece ideias, propostas e sugestões que enriquecem o trabalho profissional.8 A AvaliaçãoPorque avaliar, como avaliar, quem são os sujeitos e quais são os objetos da avaliação são analisados nesse último capítulo. A avaliação é o processo-chave de todo o processo de ensinar e aprender, sua função se encontra estreitamente ligada à função que se atribui a todo o processo. Nesse sentido suas possibilidades e potencialidades se vinculam para a forma que as próprias situações didáticas adotam. Quando as avaliações são homogeneizadoras, duras, fechadas, rotineiras, elas têm pouca margem para se transformar num fato habitual e cotidiano. Contrariamente, as propostas abertas favorecem a participação dos alunos e a possibilidade de observar, por parte dos professores; oferece a oportunidade para acompanhar todo o processo e, portanto, assegurar a sua idoneidade.A presença de opções claras sobre a função do ensino e da maneira de entender os processos de ensino/aprendizagem e que dão um sentido ou outro à avaliação, soma-se à necessidade de objetivos com finalidades específicas que atuam como referencial concreto da atividade avaliadora, que a faça menos arbitrária e mais justa. Ao mesmo tempo exige uma atitude observadora e indagadora por parte dos professores, que os impulsionem para analisar o que acontece e tomar decisões para reorientar a situação quando for necessário. E os professores também devem aprender a confiar nas possibilidades dos alunos para auto-avaliar-se no processo. O melhor caminho para fazer é para ajudar os alunos a alcançar os critérios que lhes permitam auto-avaliar-se combinando e estabelecendo o papel que essa atividade tem na aprendizagem e nas decisões de avaliação. Finalizando tanto a avaliação quanto a auto-avaliação não pode ser um episódio ou um engano, mas algo que deve ser planejado seriamente.

Planejamento Participativo - Danilo Gandin

 Planejamento Participativo - Danilo Gandin

Resumo
Este artigo posiciona o Planejamento Participativo como uma escola diferenciada dentro das possíveis alternativas na área do planejamento. Depois de enumerar situações onde o planejamento mostra-se necessário e analisar diferentes perspectivas do campo, tais como a Gestão da Qualidade Total e o Planejamento Estratégico, o artigo trata de mostrar os pressupostos e as estratégias de ação do Planejamento Participativo. Participação para esta perspectiva inclui distribuição do poder e a possibilidade de decidir na construção não apenas do “como” ou do “com que” fazer, mas também do “o que” e do “para que” fazer. A visão do Planejamento Participativo avança para questões amplas e complexas, combatendo a noção de neutralidade, e buscando como se pode
contribuir para interferir na realidade social, para transformá-la e para construí-la numa direção estabelecida em conjunto por todos os que participam da instituição, grupo ou movimento. Planeja-se de todos os jeitos porque planejar é inerente ao pensar humano. Mas a utilização de conceitos, modelos, técnicas e instrumentos cientificamente fundamentados e
adaptados ao que se vai planejar tem trazido resultados evidentes e compensadores.
Introdução
A principal característica do que hoje se chama Planejamento Participativo não é o fato
de nele se estimular a participação das pessoas. Isto existe em quase todos os processos de planejamento: não há condições de fazer algo na realidade atual sem, pelo menos, pedir às pessoas que tragam sugestões. Usa-se esta “participação” até para iludir e/ou cooptar. O Planejamento Participativo é, de fato, uma tendência (uma escola) dentro do campo de propostas de ferramentas para intervir na realidade. Ele se alinha ao lado de outras correntes, como o Planejamento Estratégico, o Gerenciamento da Qualidade Total1... Como tal, ele tem uma filosofia própria e desenvolveu conceitos, modelos, técnicas e instrumentos também específicos. Convém, desde logo, ressaltar alguns pontos em que o Planejamento Participativo se distingue das demais correntes, mesmo correndo o risco de alguma repetição posterior para melhor aprofundar alguma idéia.
a) Ele foi desenvolvido para instituições, grupos e movimentos que não têm como
primeira tarefa ou missão aumentar o lucro, competir e sobreviver, mas contribuir para
a construção da realidade social. Tais entidades, incluindo aqui governos e seus
diversos órgãos, não dispunham de ferramenta adequada para organizar seus processos
de intervenção na realidade e vão, aos poucos, aproveitando-se do que o Planejamento
Participativo lhes oferece para isto. Na América do Sul têm sido as escolas as
instituições que mais utilizaram esta ferramenta para organizar seus processos de
construção da prática escolar com um sentido de contribuir para a construção das
pessoas e das estruturas sociais. Também redes de ensino oficial, sobretudo as ligadas
aos municípios foram beneficiadas com a aplicação de conceitos, modelos, técnicas e
instrumentos gestados dentro do Planejamento Participativo.
b) Ele parte da verificação de que não existe participação real em nossas sociedades, isto é, de que há pessoas e grupos dentro delas que não podem dispor dos recursos necessários ao seu mínimo bem-estar. Mais do que isto: parte da clareza de que isto é conseqüência da organização estrutural injusta destas mesmas sociedades.
c) Propõe-se, por isto, como ferramenta para que as instituições, grupos e movimentos que para isto existirem, e, obviamente, para os governos e seus órgãos, porque para isto
existem, possam ter uma ação e um ser direcionados a influir na construção externa da
A Posição do Planejamento Participativo
realidade, ou seja, a serem, eles mesmos, apenas meios para a busca de fins sociais
maiores.
d) Como conseqüência, constrói um conjunto de conceitos, de modelos, de técnicas e de
instrumentos que permitam utilizar processos científicos e ideológicos e organizar a
participação para intervir na realidade, na direção conjuntamente estabelecida.
Situações de Planejamento
Para aprofundar a compreensão da constituição, da finalidade e das especificidades,
tanto gerais como estritamente técnicas, do Planejamento Participativo, precisamos
enumerar tipos e níveis de planejamento que a ação humana necessita. Como diz Matus,
“cuando se descubre que pueden fundamentarse varias teorias y enfoques diversos sobre la
planificación según la naturaleza de los problemas y casos diversos a los cuales pretende
aplicarse, se toma conciencia de la planificación como método, como teoría  como
tecnología” (Matus, 1987: 66). Com isto poderemos estabelecer as necessidades, situações
e níveis que cada corrente leva em conta ao constituir-se. Cada uma trabalha com
paradigmas diversos e, sobretudo, com conceitos, modelos, técnicas e instrumentos de
planejamento para determinadas realidades e não com um superparadigma2 que atendesse a
qualquer realidade. De fato elas construíram-se como ferramentas, para necessidades bem
determinadas, com fins específicos e motivadas por ideologias também próprias. A
confusão se estabelece quando se dá a uma ferramenta mais abrangência do que ela tem ou
quando ela é aplicada a casos para os quais não foi desenvolvida. Penso, por outro lado, que é impossível enumerar todos os tipos e níveis de planejamento necessários à atividade humana. Sobretudo porque, sendo a pessoa humana condenada, por sua racionalidade, a realizar algum tipo de planejamento, está sempre ensaiando processos de transformar suas idéias em realidade. Embora não o faça de maneira consciente e eficaz, como insiste Randolph (1977, pp. 51 e ss.), a pessoa humana possui uma estrutura básica que a leva a divisar o futuro, a analisar a realidade e a propor ações e atitudes para transformá-la. A relação que apresentarei omite muitos tipos e níveis de planejamento, destacando apenas aqueles que ajudam a esclarecer a questão que estamos debatendo. Cada exemplo desta relação pretende ser indicativo de várias outras situações aproximadas que, às vezes, menciono.
A – O Conserto de um Automóvel
Para consertar máquinas, certamente há necessidade de planejamento. Ele consistirá de
três passos:
compreensão do padrão da máquina, isto é, da estrutura que lhe permite o
funcionamento, ou seja, do seu estado ideal; este passo não aparece, em geral, no plano
e as pessoas muitas vezes não se dão conta de que ele existe porque naturalmente ele é
preexistente em quem vai fazer o conserto e, por isto, quase dele não se fala;
um diagnóstico – é o que mais aparece – sobre as diferenças existentes na máquina real
em relação ao padrão ideal desta mesma máquina; o conceito central deste diagnóstico é
o de problema e o seu resultado mais forte é a relação de problemas detectados; faz
parte deste diagnóstico, também, a avaliação de possibilidades e de recursos;
decisão do que se vai fazer, incluindo aqui as ações diretas de solução do(s)
problema(s) e/ou as orientações (propostas como estratégias) de uso da máquina.
Com mais complexidade por causa do “humano” nele existente, o trabalho do médico
usa um esquema igual a este.
Se distinguirmos as etapas do que está contido no esforço de planejamento, devemos
pensar que se seguirá uma fase de execução e, logo, de avaliação, embora seja mais
eficiente pensar o planejar como um processo de três faces, completamente interligadas e
concomitantes, embora com momentos fortes para cada uma delas: avaliação, execução,
elaboração.
B A Administração de um Aeroporto (este tipo inclui, também, quase todas as situações
de planejamento de empresas comerciais e similares, como as de serviços mais simples).
Muito parecido com o caso anterior é a administração de alguns serviços públicos, não
necessariamente governamentais, cujo padrão esteja quase totalmente dado. Há idéias de
segurança, bem-estar, bom atendimento, rapidez, etc. que devem ser realizadas. Estas idéias
dão os critérios – pode-se falar aqui de indicadores – para o serviço.
As três etapas do planejamento descritas acima permanecem. O que é diferente são os
conteúdos que se acrescentam em relação ao que se realiza no caso anterior.
Além da compreensão do padrão básico do serviço que é dado pela cultura dos usuários
e pelo costume que se cria, é necessária aqui a complementação deste padrão, no
sentido de buscar mais contentamento para os que usam o serviço, incluindo ou não
maneiras próprias de servir, oriundas de linhas ideológicas, tomado aqui o conceito em
seu sentido mais abrangente. O levantamento de sugestões junto ao público é a forma
primeira de participação dos usuários na fixação deste padrão.
O diagnóstico, além de verificar a existência e a extensão de problemas, incluirá o grau
de satisfação das pessoas que trabalham no serviço e dos que usufruem de seus
benefícios.
A Posição do Planejamento Participativo
A decisão sobre o que se vai fazer é mais abrangente em virtude dos acréscimos
anteriores. Além disto, estas decisões insistirão mais em estratégias, visando aos modos
de ser e de se comportar que aumentem a qualidade do serviço, dentro do padrão
estabelecido. Pode contar com mais mudanças, algumas estruturais, que são geradas
pela modificação do padrão referencial estabelecido.
Estas diferenças fazem com que, mesmo conservando o modelo básico anteriormente
indicado, os administradores de tais serviços necessitem de outros conceitos, modelos,
técnicas e instrumentos.
C – A Fábrica de Sapatos
As indústrias e as empresas de serviços mais complexas aumentam os campos de
liberdade na ação e no planejamento, forçando a utilização de modelos, técnicas e
instrumentos mais elaborados e o alargamento dos conceitos embasadores. Há necessidade
de posições estratégicas mais claras e de aumentar a análise da realidade social, chegando,
eventualmente, à idéia mais alargada de missão, que inclua fortemente o bem-estar de
pessoas e até de grupos que, às vezes, não são ligadas diretamente à empresa.
D – O Governo e seus Diversos Órgãos
Aqui não desejo pensar apenas órgãos que são burocráticos, cartoriais por causa da
tarefa que lhes é atribuída. Estes ficam bem catalogados no caso 2 e, às vezes, no caso 3.
Mas há um grande número de organismos governamentais que precisam estabelecer seus
horizontes e, mais ainda, que precisam ser inteiramente públicos e, por isto, adotar técnicas
e instrumentos de participação que permitam a construção conjunta dos rumos e dos
caminhos. As prefeituras e suas secretarias bem como países, estados, suas secretarias e
ministérios e alguns órgãos não burocráticos precisam definir o tipo de sociedade que
querem como horizonte de suas práticas e quem deve fazer isto não são apenas seus
administradores, mas o povo todo, representado ou, como cada vez mais se exige,
diretamente. Compete ao administrador abrir esta possibilidade e coordenar sua prática. Isto
coloca estas entidades no caso 5 de cujas necessidades de planejamento falarei a seguir.
E O Sonho e a Prática da Escola, do Partido Político, do Sindicato...
Há muitos escritos sobre planejamento governamental, quase sempre assemelhando-o
ao gerenciamento de empresas. Pouco, por outra parte, se tem escrito sobre o planejamento
de instituições, grupos e movimentos cujo primeiro fim seja o de gerar riqueza não
DANILO GANDIN
86
material, isto é, o de contribuir para a construção do ser humano e da humanidade.
Encontramos muitos textos e muitas falas sobre estas entidades e suas características. Mas
pensa-se em geral que planejá-las quer dizer administrá-las. Gerenciar recursos parece
suficiente: os planos de uma escola ou sindicato devem seguir os mesmos enfoques dos
planos de uma fábrica ou, quando muito, de uma prestadora de serviços. Embora, enquanto
delas se fala, se distinga o público do privado, se façam exigências maiores quanto à lisura
do uso de recursos, quase sempre estas entidades são remetidas, para efeitos de ferramenta
de planejamento, aos mesmos modelos, técnicas e instrumentos que são oferecidos às
empresas cujo primeiro fim é o lucro. Ora, estas ferramentas não servem instituições como
escolas, sindicatos, partidos políticos... nem para grupos e movimentos da sociedade civil
nem para órgãos governamentais, porque estas entidades precisam de uma ferramenta que
lhes permita cumprir melhor sua função de participar da luta de dar estrutura à sociedade.
São bem-vindos livros como o de Kotler, P., “Marketing para organizações que não
visam lucro” (1988). E muitos que tratam das questões relacionadas às entidades que não
têm o lucro como primeira finalidade. Sobre a participação das pessoas, incluindo a
participação no planejamento e na administração, há muitos escritos, quase todos num
enfoque filosófico e doutrinário, mas sem a operacionalidade necessária à prática. Por isto é
tão importante a prática (e a expansão teórica contínua) promovida por grupos latinoamericanos,
de alguma maneira relacionados entre si por se filiarem a esta corrente
intitulada Planejamento Participativo.
O modelo básico de planejamento é o mesmo. De fato, não pode haver ação humana
sem planejamento e não há planejamento sem estes três momentos que indiquei nos casos
anteriores. O que é novo é a abrangência social que o Planejamento Participativo dá a estes
momentos, especialmente ao primeiro, o que traz conseqüências para os outros. O modelo
básico que consta ao final deste texto é um dos modos como o Planejamento Participativo
dá conta desta sua grande tarefa de ser ferramenta para a prática de tais entidades.
Os caminhos do Planejamento
Em geral, o Gerenciamento da Qualidade Total é capaz de ser ferramenta suficiente
para os casos 1 e 2. Além disto pode servir para equacionar o planejamento administrativo
nos casos 3 e 4, sempre no 3, muitas vezes no 4.
O Planejamento Estratégico tem seu campo especifico como ferramenta adequada para
o caso 3, embora possa ser utilizado em certas instituições, grupos ou movimentos (caso 5)
e nos órgãos de governo (caso 4) mais limitados em suas ambições. Nos dois casos (4 e 5),
quando os grupos, movimentos, instituições ou órgãos governamentais, como é comum e
esperado, incluírem em seu horizonte a transformação–construção da sociedade num
determinado rumo, o Planejamento Estratégico pode, ainda, oferecer alguns modelos e
instrumentos e algumas técnicas na dimensão administrativa; não pode ser suficiente para
toda a tarefa destinada a estas entidades, sobretudo no que diz respeito à intervenção no
A Posição do Planejamento Participativo
social para a construção das sociedades, porque nos conceitos e modelos que desenvolveu
não pode caber esta proposta.
O Planejamento Participativo constitui-se, prática e teoricamente, para responder às
necessidades do “planejamento social” (Bustelo in Bromley e Bustelo, 1982, p. 134) das
entidades incluídas no caso 5, como órgãos governamentais (caso mencionado por Bustelo
e outros), instituições (partidos políticos, sindicatos, igrejas, escolas, ONGs...) movimentos
e grupos que tenham sido criados para contribuir para a construção da sociedade ou que
tenham escolhido isto no decorrer de sua existência.
Os órgãos governamentais (caso 4) podem apresentar todos os níveis. São aqui citadas
porque deveriam ser as mais públicas das práticas humanas. Mas, em termos de
planejamento, podem necessitar desde a ferramenta para manter uma estrada funcionando
(caso 1) até a ferramenta de processo de planejamento de um governo para garantir o bemestar
e a felicidade de um povo ou parte dele (caso 5).
O Planejamento Participativo
Todas as considerações anteriores nos permitem complementar a caracterização do
Planejamento Participativo, firmar sua posição no contexto das atuais escolas de
planejamento e completar as necessidades para as quais ele foi desenvolvido.
A. O Planejamento Participativo pretende ser mais do que uma ferramenta para a
administração; parte da idéia que não basta uma ferramenta para “fazer bem as coisas”
dentro de um paradigma instituído, mas é preciso desenvolver conceitos, modelos, técnicas,
instrumentos para definir “as coisas certas” a fazer, não apenas para o crescimento e a
sobrevivência da entidade planejada, mas para a construção da sociedade; neste sentido,
inclui como sua tarefa contribuir para a construção de novos horizontes, entre os quais
estão, necessariamente, valores que constituirão a sociedade. Nas escolas, por exemplo, não
basta que os professores, isoladamente ou mesmo em conjunto, definam “como” e “com
que” vão “passar” um conteúdo preestabelecido, dando, assim, um carácter de só
administração ao trabalho escolar; é necessário que se organizem para definir que
resultados pretendem buscar, não apenas em relação a seus alunos, mas no que diz respeito
às realidades sociais, e, que, a partir disto realizem uma avaliação circunstanciada de sua
prática e proponham práticas alternativas para ter influência na construção social.
O caminho de transformar tudo em gerência (ver Ansoff. et alii, 1987) é trilhado ao
contrário pelo Planejamento Participativo. Pretende ser ferramenta para que estas
instituições e governos – sobretudo elas e eles – e grupos e movimentos da sociedade civil
fujam do que diz Robert (1998, p. 40) com o nome de Administração Cristóvão Colombo:
“Quando ele partiu, não sabia para onde ia. Quando chegou, não sabia onde estava. Quando
voltou, não sabia dizer onde esteve!”, o Planejamento Participativo quer mais: deseja ser,
essencialmente, o planejamento de decidir quais as coisas certas a fazer e quais os motivos
que nos levam a fazê-las, embora não renuncie aos instrumentos e às técnicas que permitam
“fazê-las bem”. (ver Gandin, 2000a, pág. 35 ss).
B. O Planejamento Participativo tem uma visão própria de participação3. Ele nasce a partir
da análise situacional que vê uma sociedade organizada de forma injusta, injustiça esta que
se caracteriza pela falta de participação. Neste contexto, participação não é simplesmente
aquela presença, aquele compromisso de fazer alguma coisa, aquela colaboração, aquele
vestir a camisa da empresa nem, mesmo, a possibilidade de decidir alguns pontos esparsos
e de menor importância; participação é aquela possibilidade de todos usufruírem dos bens,
os naturais e os produzidos pela ação humana. Ao mesmo tempo, ficou clara a falta de uma
ferramenta de planejamento que pudesse contribuir para um esforço nesta direção; então,
participação no Planejamento Participativo inclui distribuição do poder, inclui possibilidade
de decidir na construção não apenas do “como” ou do “com que” fazer, mas também do “o
que” e do “para que” fazer; além disto, o Planejamento Participativo contém técnicas e
instrumentos para realizar esta participação. O Gerenciamento da Qualidade Total e o
Planejamento Estratégico não podem ter a mesma proposta para a questão da participação:
as duas tendências servem a instituições (empresas) que têm limites quase intransponíveis
para fazer isto; sua concepção capitalista, em que o principal elemento do poder, o dinheiro,
está na mão de alguns, dificulta profundamente a participação neste sentido; há
experiências de empresas que distribuem os lucros segundo as necessidades de cada um,
independentemente de sua posição hierárquica, mas isto é muito restrito no espaço e no
tempo. Esta luta continua e as grandes estratégias neoliberais buscam criar a aceitação
pacífica, através do senso comum, da atual distribuição de recursos e, portanto, do poder.
Estamos, contudo, num mundo que anuncia claramente um século XXI com o poder
distribuído e não mais concentrado nas mãos de alguns, sejam pessoas, governos ou
instituições. Estamos passando de uma época em que se reconhecia uma cosmovisão pronta
e determinada, para um tempo em que é preciso construir a cada momento uma visão de
mundo; mais ainda, firma-se a convicção de que não são só os poderosos ou os técnicos que
têm capacidade de descobrir caminhos; todos temos esta sabedoria e este direito não pode
ser subtraído das pessoas. Cada vez mais vem o tempo em que governar e até administrar
entidades não-governamentais é coordenar o processo de definição conjunta de rumos
sociais e, conjuntamente, administrar os meios para seguir a caminhada nos rumos
estabelecidos. Neste sentido, vem o tempo em que o governante e o dirigente não só dirão
que são, mas realmente vão ser, servidores da comunidade.
A participação é, contudo, hoje, um conceito que serve a três desastres extremamente
graves: a manipulação das pessoas pelas “autoridades”, através de um simulacro de
participação; a utilização de metodologias inadequadas, com o conseqüente desgaste da
idéia; a falta de compreensão abrangente da idéia de participação.
Por isto, vale a pena verificar, mesmo que brevemente por causa das restrições deste
artigo, quais os níveis em que a participação pode ser exercida.
A Posição do Planejamento Participativo
1. O primeiro nível é a colaboração. É o nível mais freqüente na prática concreta hoje,
embora, pelo que foi dito acima, não se pudesse chamar verdadeiramente de participação a
esta prática. É o nível em que a “autoridade” chama as pessoas a trazerem sua contribuição
para o alcance do que esta mesma “autoridade” decidiu como proposta. As pessoas devem
participar com seu trabalho, com seu apoio ou, pelo menos, com o seu silêncio, para que as
decisões da “autoridade” tenham bons resultados e, ao final, para que o “status quo” não
seja rompido. O que este nível de participação alcança é que as pessoas se esforcem,
trabalhem com vigor, sem discutir (o não discutir faz parte deste nível de participação)
quais os benefícios que advirão deste trabalho e quem deles vai se apropriar. Decorre de um
pensamento ainda ligado às idéias de senhor-súdito e de rei-povo que, embora superadas no
discurso, pertencem à mais clara realidade atual, tanto na relação entre nações como nas
que se estabelecem entre grupos e pessoas.
Penso que este tipo de participação tem seus pontos positivos e é até importante em
algumas situações mais extremas. Seu grande mal é ser entendido como o único modo de se
fazer participação e, assim, impedir que nasçam outros processos mais profundos. Pior é
quando este tipo se manifesta como pedido de sugestões para a ação, sugestões que são
aceitas ou não conforme o pensamento dos “chefes”. Este tipo de prática leva
inexoravelmente à descrença das pessoas porque elas descobrem com o tempo que sua
participação é apenas secundária ou, simplesmente, não serve para nada.
2. O segundo nível é o que poderíamos chamar de nível de decisão. Vai além da
colaboração e tem uma aparência democrática mais acentuada. O “chefe” decide que todos
vão “decidir”; leva, então, algumas questões a um grande plenário ou a alguns grupos e
manda que todos decidam. Em geral, são decididos aspectos menores, desconectados da
proposta mais ampla, e a decisão se realiza como escolha entre alternativas já traçadas, sem
afetar o que realmente importa. É claro que não se deve condenar estas precárias
manifestações de democracia direta. Mas satisfazer-se com elas diminui a força
transformadora e transfere para outros tempos a verdadeira participação.
3. Há um terceiro nível de participação, embora, na prática, ele seja muito pouco freqüente.
Poderíamos chamá-lo de construção em conjunto. As estruturas existentes normalmente
dificultam esse tipo de participação, mesmo quando as pessoas, inclusive os governantes e
os chefes, a desejem. É que todo o sistema social é estruturado sobre outras premissas e o
próprio pensamento das pessoas não está orientado para esse modo de convivência: em
geral, as pessoas não acreditam na igualdade fundamental que têm entre si; acreditam no
mais sábio, no mais rico, no mais poderoso, no mais forte... admitindo que estas
características sejam suficientes para excluir de direitos fundamentais aqueles que não as
possuem em tão alto grau.
A construção em conjunto acontece quando o poder está com as pessoas,
independentemente dessas diferenças menores e fundamentado na igualdade real entre elas.
Aí se pode construir um processo de planejamento em que todos, com o seu saber próprio,
com sua consciência, com sua adesão específica, organizam seus problemas, suas idéias,
seus ideais, seu conhecimento da realidade, suas propostas e suas ações. Todos crescem
juntos, transformam a realidade, criam o novo, em proveito de todos e com o trabalho
coordenado.
É claro que as dificuldades para isto são muitas e vão desde a resistência dos que
perderiam privilégios até a falta de metodologias adequadas, passando pela falta de
compreensão e de desejo de realizar isto e pelo constrangimento exercido pelas estruturas
existentes.
C. O Planejamento Participativo incorpora a visão estratégica e situacional. Por entender a
idéia de MISSÃO de forma mais abrangente e situada no contexto da globalidade social
(ver modelo básico, ao final), com a perspectiva não apenas de ajudá-las a sobreviver, mas
a intervir na realidade estrutural da sociedade, oferece às instituições, grupos, movimentos
e organismos governamentais uma ferramenta que incorpora as conquistas do planejamento
na perspectiva situacional e estratégica.
Vale a pena fazer duas observações para compreender melhor isto4.
1. No mundo ocidental há dois momentos importantes para o desenvolvimento do
planejamento. O primeiro é logo após a Segunda Guerra Mundial quando fica claro que um
dos motivos da força guerreira da União Soviética – em tão pouco tempo – é o
planejamento. O mundo ocidental deixa, então, de lado seus escrúpulos sobre se é possível
o planejamento num país democrático e abraça o planejamento. O segundo surto é na
década de 80 como concepção e nestes anos 90 como realização, quando a crise econômica
e a necessidade de sobrevivência superam a resistência que se havia desenvolvido contra o
planejamento. Nesta segunda explosão, o planejamento é tecnicamente mais maduro,
supera filosofias, conceitos, instrumentos, técnicas, processos e modelos anteriores; há um
esforço consistente em aperfeiçoar ferramentas que sejam eficientes na superação da crise
econômica e alguma busca, com maior ou menor clareza, de resposta às três grandes
questões sempre presentes e mais importantes nos dias de hoje: a) é possível planejamento
com democracia, isto é, que seja realizado sem opressão? b) pode o planejamento organizar
a prática de modo a interferir na realidade, transformando o conjunto de idéias nela
presentes? c) há possibilidade de que a participação vá além do aspecto técnico e inclua o
político-social, contribuindo, pois, para a distribuição do poder?
2. Destes esforços firmam-se as três tendências (linhas, correntes) que já despontavam, mas
que não tinham estrutura técnica e base científica suficientemente desenvolvidas:
Gerenciamento de Qualidade Total, Planejamento Estratégico, Planejamento Participativo.
Cada uma delas incorpora as três idéias que são fundamentais no planejamento de nosso
tempo: participação, qualidade e missão; estas três idéias crescem e se consolidam de tal
modo que ninguém pode falar em processos técnicos de planejamento sem incluí-las; mas
cada uma das três linhas entende cada uma destas idéias de modo diferente, coloca-as em
hierarquias que não se equivalem e relaciona-as entre si e com os elementos técnicos de
uma maneira bastante distinta. Com isto a visão estratégica (naturalmente situada) torna-se
A Posição do Planejamento Participativo
imprescindível. Fiéis às suas origens, as correntes utilizam a idéia para as necessidades às
quais querem atender. Assim, o Planejamento Participativo assume uma visão estratégica
que não está direcionada apenas a “como empresas vencedoras dominam seus
concorrentes”, conforme o subtítulo do livro de Robert (1998). Ela avança para questões
mais amplas e complexas, como a de ver como se contribui para interferir na realidade
social, para transformá-la e para construí-la numa direção estabelecida em conjunto, num
pé de igualdade fundamental, mas com a contribuição própria de cada um, por todos os que
participam da instituição, grupo ou movimento ou, mesmo, de uma cidade, de um estado e
de uma nação.
D. Aponto brevemente algumas diferenças técnicas que estas três tendências apresentam
entre si, embora o essencial desta diferença já tenha sido apontado nas considerações feitas
até aqui; estas comparações ajudarão a compreender melhor a filosofia e os propósitos de
cada uma delas e, também, a verificar que seus conceitos, técnicas, processos, instrumentos
e modelos também diferem.
Buscando ver qual é a atenção especial de cada uma das tendências, destaco: as
ferramentas que gravitam ao redor do Gerenciamento da Qualidade Total assumem com
toda a força a idéia de que a finalidade do planejamento é satisfazer o cliente; para o
Planejamento Estratégico (alguns preferem “Administração Estratégica”), o propósito
último é firmar-se no mercado, melhor, produzir ambiente de lucro futuro e, portanto,
de permanência; o Planejamento Participativo quer contribuir para a transformação da
sociedade na linha da justiça social, no sentido de que todos participem das decisões,
mas, sobretudo, dos bens materiais e não materiais encontrados na natureza ou
produzidos pelas pessoas humanas.
Para o Gerenciamento da Qualidade Total, planejar é solucionar os problemas que
aparecerem – os conceitos centrais são os de problema e de satisfação do cliente; o
Planejamento Estratégico quer analisar oportunidades, descobrir pontos fracos e
pontos fortes e compatibilizar tudo conforme os objetivos da empresa os conceitos
básicos são os de missão, de visão estratégica, de oportunidade e de ameaça; no
Planejamento Participativo, planejar é desenvolver um processo técnico para contribuir
num projeto político – tem como conceitos distintivos o de marco referencial e o de
necessidade.
As três correntes encaram de modo distinto cada um dos três momentos de qualquer
plano que são a definição de horizonte, a descoberta da distância entre a prática e este
horizonte e a proposta de alteração da realidade para aproximá-la do ideal traçado.
– O Planejamento Participativo chama o primeiro momento de Marco Referencial,
dando-lhe uma importância extraordinária porque nele inclui uma dimensão política,
ideológica, de opção coletiva, e divide-o em três partes, para: – a compreender a
realidade global na qual se insere a instituição planejada (marco situacional); – propor
um projeto político-social de ser humano e de sociedade (marco doutrinal); – firmar
um processo técnico ideal para contribuir com a construção deste ser humano e desta
sociedade (marco operativo); o Planejamento Estratégico importa-se muito com este
primeiro momento, dando-lhe o nome de Missão, mas deixando-o dentro dos limites
da sobrevivência e do crescimento da empresa; o Gerenciamento da Qualidade Total
não se preocupa com este primeiro ponto porque isto já está definido e resume-se à
satisfação do cliente.
– Para o Planejamento Participativo, o diagnóstico (segundo momento) é a
intermediação entre a proposta ideal, do sonho, e a proposta de prática. Neste sentido,
o diagnóstico é um juízo continuado sobre a prática, para verificar a distância em que
ela está do ideal estabelecido em seu referencial. No Planejamento Participativo, o
plano não começa com um diagnóstico, mas com um referencial. O Gerenciamento da
Qualidade Total segue a tradição do planejamento que começa com um diagnóstico
porque o referencial já está dado e não precisa ser definido; isto leva a dois desastres
muito grandes quando se passa esta proposta de planejamento para as instituições
sociais: confunde-se diagnóstico com o levantamento de problemas5 – isto no
Planejamento Participativo é o Marco Situacional – ou pensa-se que se fez um
diagnóstico quando se levantam dados6 – isto no Planejamento Participativo é a
descrição da realidade e da prática. O Planejamento Estratégico fica numa situação
intermediária porque a idéia de “missão” o leva a uma definição de horizontes, mas de
modo limitado ao “negócio” da empresa e o diagnóstico coloca-se na perspectiva de
levantar as ameaças e as oportunidades que são apresentadas pelo meio.
– A proposta de nova prática, aquilo que quase todos os teóricos chamam de
programação, tem, para o Planejamento Participativo, uma dupla dimensão: propõemse
mudanças no fazer e mudanças no ser. Em verdade é fazendo novas coisas e sendo
diferente que se transforma a realidade existente; esta maneira de organizar a
programação, derivando desta premissa as quatro categorias de propostas (ações,
rotinas, atitudes e regras) fez aumentar a clareza, a precisão, permitindo mais força na
intervenção sobre a realidade. É verdade que o planejamento sozinho não realiza
aquilo que teríamos que fazer e vivenciar; mas é verdade também que o Planejamento
Participativo contém os elementos necessários, enquanto ferramenta, para realizar o
que é vontade de todos ou de maiorias expressivas. Naturalmente, para transformar a
realidade, é preciso que exista um conjunto de idéias e um querer que nasce da
paixão; de qualquer modo, um contínuo processo de Planejamento Participativo
levado rigorosa e persistentemente tem sido fonte de crescimento do grupo, tanto em
idéias como em paixão.
Do ponto de vista metodológico, as conseqüências destas visões distintas são muito
claras. O Planejamento Participativo desenvolveu um conjunto7 de conceitos, de
modelos, de processos, de instrumentos e de técnicas para dar importância ao
A Posição do Planejamento Participativo
crescimento (do coletivo e do pessoal) e, neste crescimento, construir o referencial,
avaliar a prática, propor e realizar uma nova prática. Insisto que a construção coletiva
necessita de processos rigorosos que incluem trabalho individual, trabalho em pequenos
grupos e plenários para reencaminhamentos. Há, no Planejamento Participativo, um
conjunto de técnicas e de instrumentos para que se chegue ao que é o pensamento
coletivo e para evitar discussões polarizadas e formação de grupos que se degladiam.
Modelo Básico de Plano no Planejamento Participativo
Finalizo apresentando um quadro do modelo básico de plano global de médio prazo,
dentro da tradição do Planejamento Participativo. Não insistir aqui em planos de longo
prazo não significa dizer que eles não sejam importantes sempre e muitas vezes
necessários: é apenas reconhecer o estágio ainda primário da compreensão da teoria do
planejamento, o que quase impede a elaboração de tais planos.
Este plano global necessita ser complementado por planos setoriais, tendo eles a
mesma duração que já consta ou que venha a ser assumida pelos planos globais (Gandin,
2000a, pp. 126 e ss).
De fato, o plano global de médio prazo, além de ser o ponto de partida para os planos
setoriais, precisa, ainda, ser desdobrado em planos de curto prazo que se encarregam de
definir as ações concretas, as atitudes, as regras e as rotinas para o período de duração de
cada um destes planos.
As tarefas da administração são importantes em todo este processo de elaboração,
execução e avaliação de planos. Os administradores coordenaram o esforço das pessoas
para que a instituição, grupo ou movimento chegue, participativamente, ao plano global de
médio prazo. Com a elaboração dele finalizada, a administração organiza os trabalhos para
que os planos menos abrangentes sejam elaborados e para que eles se realizem na prática. A
operacionalização que envolve a elaboração de projetos, o acompanhamento, o cuidado
para a criação de recursos, são tarefas genuinamente administrativas.
QUESTÕES FUNDAMENTAIS DO PLANEJAMENTO E MODELO BÁSICO
DE PLANO NO PLANEJAMENTO PARTICIPATIVO
Aspectos a considerar Significado de cada parte Modelo (esquema) do
plano
A. Realidade global
Existente
Diz como o grupo percebe a realidade
global em seus problemas, desafios e
esperanças
1.1 Marco situacional
B. Realidade global
Desejada
Expressa a utopia social, o “para que
direção nos movemos” do grupo.
Expõe as opções sobre o homem e sobre
a sociedade e fundamenta essas opções
em teoria.
1.2 Marco doutrinal
C. Realidade desejada do
campo de ação e
(sobretudo) da instituição
(grupo ou movimento) em
processo de
planejamento.
Expressa a utopia instrumental do grupo.
Expõe as opções (em termos ideais) em
relação ao campo de ação e à instituição
(grupo ou movimento) e fundamenta
essas opções em teoria.
1.3 Marco operativo
Confronto entre C e D. Expressa o juízo que o grupo faz da sua
realidade, em confronto com o ideal
traçado para seu fazer. Deste julgamento
(avaliação) ficam claras as necessidades
da instituição.
2. Diagnóstico
Necessidades
D. Realidade institucional
existente
É a descrição da realidade e da prática
específicas da instituição (grupo ou
movimento) que se está planejando.
(Não se inclui no plano, mas
é necessário conhecê-las
para elaborar o diagnóstico)
E. Propostas concretas para
a transformação da
realidade institucional
existente (para o tempo
do plano).
Propõe: 1) ações; 2) comportamentos,
atitudes; 3) normas e 4) rotinas para
modificar a realidade existente (da
instituição, do campo de ação),
diminuindo a diferença entre C e D e,
como conseqüência, influindo na realidade
global