domingo, 22 de maio de 2011

AVALIAR PARA CONHECER - EXAMINAR PARA EXCLUIR

Avaliar para Conhecer, Examinar para Excluir - J.M.Álvarez Méndez (2002) -
Ed. ASA, Cadernos do CRIAP - 30

Sobre a obra e seu autor:Afirma-se com frequência que na escola se avalia demasiado. Pelo contrário, é necessário explicar que no ensino que temos se testa muito e se avalia pouco. Porque a avaliação implica sempre aprendizagem e nasce do desejo de conhecer. Pelo contrário, com os testes confirmamos o saber ou a ignorância, mas como professores ou alunos aprendemos pouco. Exercida como actividade ao serviço do conhecimento, a avaliação tem de desempenhar uma importante função formativa nos processos de aprendizagem. Mas a avaliação não se limita aos testes, aqueles exercícios de aprendizagem que se transformam em instrumentos de segregação e em muitos casos dão origem à exclusão.
A preocupação com a acção ética da avaliação, mais do que com a sua objectividade, é a garantia de que esta estará ao serviço daqueles que aprendem: tanto do professor, que quer desenvolver o seu saber-fazer docente, como do aluno, que tem de assegurar uma aprendizagem que lhe abra as portas da inclusão e participação nos bens culturais e científicos.
Temos de acabar com esta ideia de que a escola é um órgão de controlo social e lutar para que a sua função seja a promoção do conhecimento e daqueles que a frequentam.
Juan Manuel Álvarez Méndez é professor titular de Didáctica na Faculdade de Educação da Universidade Complutense de Madrid, na qual trabalha desde 1974. Na sua actividade docente e nos seus trabalhos publicados tem-se centrado em temas relacionados com a Didáctica Aplicada ao Ensino da Língua e com a Didáctica Geral do Currículo, dedicando especial atenção à formação de professores e ao estudo das reformas educativas e da avaliação.(...)
4. OS EFEITOS COLATERAIS DA EDUCAÇÃO
págs. 71 a 76

“Há certas acções no processo de escolarização que se realizam e legitimam a partir de rituais assentes em crenças nem sempre verificadas mas que despertam expectativas que se geram segundo a fé que nelas se deposita e nas finalidades e funções que se espera que desempenhem. No campo da avaliação, crenças, expectativa, fé e confiança nas finalidades e nas funções dão por válidos muitos caminhos antes de se ter averiguado de que caminhos se trata e, principalmente, se merecem a pena ser percorridos. Cabe dizer de um sistema de avaliação que conduz a práticas tão pouco racionais, do ponto de vista do interesse pela formação das pessoas a quem se dirige, que dificilmente superaria qualquer prova de exame e de análise que sobre ele se fizesse, quer pelos instrumentos que normalmente utiliza — exames ou provas objectivas tipo teste — quer pelas disfunções que provoca (tensão, fracasso, abandono, exclusão, selecção, decisões prognósticas que nunca se cumprem, classificação, hierarquização...). Refiro-me à confiança no carácter prognóstico que se deposita em certo tipo de provas que habitualmente se realizam na sala de aula, de modo a que, sem se saber como nem porquê, acabam por desempenhar num mesmo exercício funções diagnósticas e selectivas, de um valor preditivo real muito escasso para o êxito profissional, ainda que efectivo para a distribuição de oportunidades e para a exclusão. As mesmas provas servem, ainda, para determinar o nível de conhecimento, controlar e reflectir comportamentos disciplinares. (...) São muitas as finalidades e as funções que a avaliação aplicada na escola desempenha e que têm como primeiro objecto o aluno. Todas costumam realizar-se com base no exame como único instrumento, em qualquer das suas variantes. Sem dúvida que algumas funções exercidas e algumas finalidades alcançadas são contrárias às finalidades e aos princípios formativos que justificam a educação e necessitariam de ser satisfeitas através de diversos instrumentos para evitar exercícios contraditórios que produzem consequências indesejáveis.
Provavelmente, uma razão plausível é a que se deve ao facto de as práticas de avaliação se realizarem desligadas das concepções educativas que deveriam servir. Basta pensar no tipo de cidadão que o sistema de educação básica se propõe formar para ver as distâncias que separam esse objectivo das práticas de avaliação que produzem tanta exclusão, tanto fracasso e tantos fracassados. Utiliza-se o exame de uma forma totalmente inapropriada para uma aprendizagem cujo conteúdo pode ser criativo, de aplicação, de transferência, de análise, de inferência, de síntese, de valorização, ou de simples repetição automática, de memória rotineira ou de cópia. São várias e distintas as funções ocultas que desempenha se bem que sejam menos as que explicitamente se lhe reconhecem. E todas valem para explicar racionalmente quer o êxito quer o fracasso. Do mesmo modo, serve o exame para premiar um aluno como para extrair conclusões externas; tanto para desenvolver atitudes competitivas como para reforçar ou empobrecer a auto-estima. Inclusivamente, numa utilização que deveria estar radicalmente erradicada do âmbito educativo por razões de responsabilidade moral, a avaliação serve para restabelecer a disciplina ou impor respeito que não se obtém nem por méritos próprios, nem pela autoridade que o saber confere, nem pelas vias mais justas do profundo respeito pela pessoa. (...) Para além destes usos e exercida de um modo subtil no seio da sala de aula, mas evidente pelas consequências que arrasta, a avaliação, mais do que um meio de fomentar as finalidades educativas do desenvolvimento e da emancipação individuais, é utilizada como instrumento de exclusão ao longo do processo de escolarização através de procedimentos que seleccionam e marginalizam, prejudicando as oportunidades educativas posteriores de muitos alunos. (...) Neste confuso jogo misturam-se as necessidades formativas com os requisitos de eficácia e de mercado, as exigências de qualidade e equidade educativas com as da eficácia e eficiência, interpretadas em termos de rendibilidade económica, os argumentos com as opiniões, a qualidade com a quantidade, o valor com o preço, a lógica educativa com a lógica economicista, os princípios com as doutrinas, os alunos com os clientes. Assim se confunde a profissão docente com o ofício de vigilante e de seleccionador social; (...) a função formativa da avaliação com a sumativa. (...) Porque esta confusão ocorre diz-se frequentemente que na escola se avalia muito. A sensação e a percepção são de que os exames tudo contaminam. Quando se clarificam as coisas, como já referi, podemos comprovar que se examina e se classifica muito mas que se avalia muito pouco, se tivermos em consideração o pouco que se aprende com a avaliação, o pouco conhecimento relevante que se obtém do que ela representa e o escasso valor transformador da própria prática educativa que se lhe outorga. De facto, ano após ano, podemos regularmente constatar as mesmas estatísticas de insucesso, muito provavelmente devido às mesmas causas de sempre e a outras às quais não se presta a devida atenção. E são cada vez mais numerosas as vozes que se erguem alertando ou denunciando uma baixa de qualidade nos processos educativos.(...)”

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