domingo, 22 de maio de 2011

DOCUMENTOS DE IDENTIDADE: UMA INTRODUÇÃO ÀS TEORIAS DE CURRÍCULO.

DOCUMENTOS DE IDENTIDADE: UMA INTRODUÇÃO ÀS TEORIAS DE CURRÍCULO.
Tomás Tadeu da SILVA,. Belo Horizonte:
Autêntica, 1999.


Neste livro encontramos um panorama das teorias do currículo, a partir de vários estudos e autores que abordam a origem do campo do currículo, passando pelas teorias tradicionais, críticas e pós-críticas e tratando introdutoriamente cada uma dessas perspectivas, assim como os principais conceitos e definições que elas enfatizam.
O autor levanta indagações essenciais sobre o currículo, tais como: o que é uma teoria do currículo? Onde começa e como se desenvolve a história das teorias do currículo? Quais são as principais teorias do currículo? O que distingue as teorias tradicionais das teorias críticas do currículo? E estas das pós-críticas?
Antes, porém, o autor fala sobre sua compreensão de teoria do currículo. Para Silva, definições não revelam uma suposta ‘essência’ do currículo: “uma definição nos revela o que uma determinada teoria pensa que o currículo é” (p. 14). Segundo ele, há questões que toda teoria do currículo enfrenta: qual conhecimento deve ser ensinado? O que eles (alunos) ou elas (alunas) devem ser, ou melhor, que identidades construir? Com base em quais relações de poder serão essas perguntas respondidas?
O texto está dividido em duas partes. A primeira aborda teorias tradicionais e teorias críticas, apresentando a origem dos estudos sobre currículo, a gênese das teorias críticas e estudos de vários autores, entre eles: Michael Apple, Henry Giroux, Paulo Freire, Demerval Saviani etc. A segunda parte aborda as teorias pós-críticas, ressaltando os conceitos de: a) identidade, alteridade e diferença; b) subjetividade; c) significação e discurso; d) saber-poder; e) representação; f) cultura; g) gênero, raça, etnia e sexualidade; h) multiculturalismo.
PARTE I – DAS TEORIAS TRADICIONAIS ÀS CRÍTICAS
Os estudos sobre currículo nascem nos Estados Unidos,1 onde se desenvolveram duas tendências iniciais. Uma mais conservadora, com Bobbitt, que buscava igualar o sistema educacional ao sistema industrial, utilizando o modelo organizacional e administrativo de Frederick Taylor. Bobbitt encontrou ainda suporte na teoria de Ralph Tyler e na de John Dewey. O primeiro defendia a idéia de organização e desenvolvimento curricular essencialmente técnica. Por sua vez, John Dewey se preocupava com a construção da democracia liberal e considerava relevante a experiência das crianças e jovens, revelando uma postura mais progressivista.
Na década de 1960 ocorreram grandes agitações e transformações. Nesse contexto começam as críticas àquelas concepções mais tradicionais e técnicas do currículo. “As teorias críticas do currículo efetuam uma completa inversão nos fundamentos das teorias tradicionais” (p. 29). Entre os estudos pioneiros está a obra A ideologia e os aparelhos ideológicos de Estado, de Louis Althusser. Sua teoria diz que “a escola contribui para a reprodução da sociedade capitalista ao transmitir, através das matérias escolares, as crenças que nos fazem vê-la como boa e desejável” (p. 32). Já a escola capitalista, de Bowles e Gintis, “enfatiza a aprendizagem, através da vivência das relações sociais da escola, das atitudes necessárias para se qualificar um bom trabalhador capitalista” (p. 3233). Por fim, A reprodução, de Bourdieu e Passeron, afirma que o currículo está baseado na cultura dominante, o que faz com que crianças das classes subalternas não dominem os códigos exigidos pela escola.2
Voltando aos Estados Unidos, vemos que, a partir dos anos 70, tendo como marco inicial a I Conferência sobre Currículo, liderada por William Pinar, surgem duas tendências críticas no campo do currículo, as quais vêm se opor às teorias de Bobbitt e Tyler. A primeira de caráter marxista, utilizando-se, por exemplo, de Gramsci e da Escola de Frankfurt. A segunda de orientação fenomenológica e hermenêutica. Aquela enfatizando “o papel das estruturas econômicas e políticas na reprodução social” (p. 38); esta enfatizando “os significados subjetivos que as pessoas dão às suas experiências pedagógicas e curriculares” (p. 38).
Michael Apple, um dos expoentes nesse âmbito, parte dos elementos centrais do marxismo, colocando o currículo no centro das teorias educacionais críticas e relacionando-o às estruturas mais amplas, contribuindo assim para politizá-lo. “Apple procurou construir uma perspectiva de análise crítica do currículo que incluísse as mediações, as contradições e ambigüidades do processo de reprodução cultural e social” (p. 48).
Já o currículo como política cultural, de Henry Giroux, fala numa “pedagogia da possibilidade” (p. 53) que supere as teorias de reprodução. Ele utiliza estudos da Escola de Frankfurt sobre a dinâmica cultural e a crítica da racionalidade técnica. Compreende o currículo a partir dos conceitos de emancipação e liberdade, já que vê a pedagogia e o currículo como um campo cultural de lutas.
De fato, suas análises se ocupam mais com aspectos culturais do que propriamente educacionais. Ultimamente, Giroux incorporou contribuições do pós-modernismo e do pós-estruturalismo.
Outro autor de destaque é Paulo Freire. Sua teoria é claramente pedagógica, não se limitando a analisar como é a educação existente, mas como deveria ser. Sua crítica ao currículo está sintetizada no conceito de educação bancária. Por outro lado, concebe o ato pedagógico como um ato dialógico em que educadores e educandos participam da escolha dos conteúdos e da construção do currículo. Antecipa a definição cultural sobre os estudos curriculares e inicia uma pedagogia pós-colonialista. Nos anos 80, Freire seria contestado pela pedagogia dos conteúdos, proposta por Demerval Saviani. Este autor critica a pedagogia pós-colonialista de Freire por enfatizar não a aquisição do saber, mas os métodos desse processo; para ele conhecimento é poder, pois a apropriação do saber universal é condição para a emancipação dos grupos excluídos.
Já a ‘nova’ sociologia da educação3 busca construir um currículo que reflita mais as tradições culturais e epistemológicas dos grupos subordinados. Essa corrente se dissolveu numa variedade de perspectivas analíticas e teóricas: feminismo, estudo sobre gênero, etnia, estudos culturais, pós-modernismo, pós-estruturalismo etc. Nesse âmbito, Bernstein investiga como o currículo é organizado estruturalmente. Distingue dois tipos fundamentais de organização: no currículo tipo coleção “as áreas e campos de saber são mantidos fortemente isolados” (p. 72); no tipo integrado “as distinções entre as áreas de saber são muito menos nítidas e muito menos marcadas” (p. 72). O autor quer compreender como as diferentes classes sociais aprendem suas posições de classe via escola. Elabora então o conceito de códigos: no elaborado “os significados realizados pela pessoa – o ‘texto’ que ela produz – são relativamente independentes do contexto local” (p. 75); no restrito “o ‘texto’ produzido na interação social é fortemente dependente do contexto” (p. 75). Para ele o código elaborado é suposto pela escola, mas crianças de classe operária possuem códigos restritos, o que estaria na base do seu ‘fracasso’ escolar.
Ainda de acordo com Bernstein, o currículo oculto, conceito fundamental na teoria do currículo, “constitui-se daqueles aspectos do ambiente escolar que, sem fazer parte do currículo oficial explícito, contribui de forma implícita para aprendizagens sociais relevantes” (p. 78). Na análise funcionalista o currículo oculto ensina noções tidas como universais, necessárias ao bom funcionamento das sociedades “avançadas”; já as perspectivas críticas, ao denunciálo, dizem que ele ensina em geral o conformismo, a obediência, o individualismo, a adaptação às injustas estruturas do capitalismo. Já as pós-críticas consideram importante incluir aí as dimensões de gênero, sexualidade, raça etc.
PARTE II – AS TEORIAS PÓS-CRÍTICAS
Segundo Silva o fenômeno chamado multiculturalismo tem sua origem nos países dominantes do norte e é discutido atualmente em duas vertentes: “... dos grupos culturais dominados no interior daqueles países para terem suas formas culturais reconhecidas e representadas na cultura nacional” (p. 85); e outra que aponta”... solução para os problemas que a presença de grupos raciais e étnicos coloca no interior daqueles países para a cultura nacional dominante” (p. 85). Para ambas as vertentes o multiculturalismo representa um importante instrumento de luta política, pois ele remete à seguinte questão: o que conta como conhecimento oficial? Assim, ele também nos lembra que “a igualdade não se obtém simplesmente através da igualdade de acesso ao currículo hegemônico” (p. 90), sendo preciso mudanças substanciais do currículo existente.
Já a pedagogia feminista introduz novas questões no tocante às formas de reprodução e produção de desigualdades sociais através da questão de gênero, ampliando o processo de reprodução cultural para além da dinâmica de classe, já bastante reconhecida pelas teorias críticas, que em relação às teorias feministas ignoram outras dimensões da desigualdade (como a de gênero).
No tópico seguinte Silva aborda o currículo como narrativa étnica e racial, reafirmando uma superação e ampliação do pensamento curricular crítico que aponta a dinâmica de classe como única no processo de reprodução das desigualdades sociais. O autor alerta para questões como etnia, raça e gênero, configurando um novo repertório educacional significativo. Insistindo nesse processo, afirma que tais questões apenas recentemente estão sendo problematizadas dentro do currículo, a partir de análises pós-estruturalistas e dos estudos culturais: “é através do vínculo entre conhecimento, identidade e poder que os temas da raça e da etnia ganham seu lugar no território curricular” (p. 101).
Uma outra tendência inserida nessa discussão é a teoria “queer”, que “radicaliza o questionamento da estabilidade da fixidez da identidade feito pela teoria feminista recente” (p. 105). Essa teoria questiona o predomínio da heterossexualidade como a identidade considerada normal, discutindo a forma como os processos discursivos de significação tentam fixar determinada identidade sexual. Segundo esse pensamento, “nós somos o que nossa suposta identidade define que somos” (p. 107). Isto é,
o que se torna, assim, uma atitude epistemológica que não se restringe à identidade e ao conhecimento sexuais, mas que se estende para o conhecimento de identidade. A Epistemologia que é, nesse sentido, perversa, subversiva, impertinente, profana desrespeitosa. (p. 107)
Para as teorias pós-modernas (que não se resumem a uma única vertente ou teoria social) vivemos uma nova cena histórica, com novas implicações no campo educacional. Basicamente elas criticam conceitos e discursos da modernidade, como, por exemplo, razão, ciência e progresso. As implicações curriculares desse movimento estão na desconfiança de uma pedagogia e um currículo fundamentados no pensamento moderno, isto é, que se caracterizem por: a) saber totalizante; b) razão iluminista; c) progresso cumulativo; d) axiomas inquestionáveis; e) sujeito racional, livre e autônomo.
O pós-estruturalismo enfatiza os jogos de linguagem e a realidade como um “texto”. De acordo com essa teoria, a fixidez dos significados se torna fluida, indeterminada. Daí, por exemplo, a radicalização pós-estrutural do conceito de diferença, que viria substituir o de desigualdade, típico da modernidade. Segundo o pósestruturalismo, o sujeito racional, autônomo e centrado da modernidade é uma ficção, pois “não existe sujeito a não ser como simples e puro resultado de um processo cultural e social” (p. 120). Assim, um currículo, para essa teoria, questionaria os significados transcendentais ligados à religião, à política, à pátria, à ciência etc., que povoam o currículo existente.
A teoria pós-colonialista objetiva refletir sobre as relações de poder advindas da herança colonial, tais como o imperialismo econômico e cultural. Reivindica um currículo que inclua as diferentes culturas, não de forma simples e informativa, mas refletindo sobre aspectos culturais e experiências de povos e grupos marginalizados.
Os estudos culturais constituem um campo de investigação cujo impulso inicial foi estudar a cultura através de grandes obras literárias (e não só estas), tidas como burguesas e elitistas – função semelhante à da mídia e seu papel na formação de consenso e conformismo político –, mas concentrando-se também na análise da indústria cultural (revistas, cinema etc.). Silva ressalta que esses estudos, assim como o pós-modernismo e o pós-estruturalismo, não influenciam de forma significativa o processo de elaboração curricular, mas aponta que dentro do contexto atual tais estudos apresentam conceitos relevantes à visão crítica do currículo, especialmente por entenderem a cultura como campo de disputa simbólica pela afirmação de significados.
Pedagogia como cultura, e a cultura como pedagogia, é outro ponto destacado pelo autor para explicar uma das conseqüências da virada culturalista na teorização curricular, na qual percebese uma redução das fronteiras entre conhecimento acadêmico/escolar e conhecimento cotidiano/cultura de massa. O “currículo” e a “pedagogia” dessas formas culturais extra-escolares possuem imensos recursos econômicos e tecnológicos, como exigência de seus objetivos quase sempre mercadológicos. Investe-se assim de for-mas sedutoras irresistíveis, inacessíveis à escola. “É precisamente a força desse investimento das pedagogias culturais no afeto e na emoção que tornam seu ‘currículo’ tão fascinante à teoria crítica do currículo” (p. 140).
O autor conclui reafirmando que o currículo “é uma questão de saber, poder e identidade” (p. 148), fazendo ainda uma relação entre as teorias críticas e pós-críticas do currículo: as teorias póscríticas podem nos ter ensinado que o poder está em toda parte e que é multiforme. As teorias críticas não nos deixam esquecer, entretanto, que algumas formas de poder são visivelmente mais perigosas e ameaçadoras do que outras (p. 147).
Na visão do autor, depois de conhecer as teorias críticas e pós-críticas, torna-se impossível conceber o currículo de forma ingênua e desvinculado de relações sociais de poder. Para as teorias críticas isso significa nunca esquecer, por exemplo, a determinação econômica e a busca de liberdade e emancipação; e para as pós-críticas significa questionar e/ou ampliar muito daquilo que a modernidade nos legou.
COMENTÁRIOS GERAIS
O livro desperta interesse para iniciantes, sobretudo porque resgata o essencial da discussão de currículo, desde a origem até seus últimos desenvolvimentos. Nesse sentido, o autor, ao apresentar as teorias tradicionais, críticas e pós-críticas nunca afirma que uma única teoria ou ‘tendência’ pode, sozinha, esgotar toda compreensão sobre este artefato cultural complexo que é o currículo. Por outro lado, o livro contém algumas contradições, pois enquanto alguns conceitos, definições e teorias tornam-se mais fáceis de ser assimiladas após a leitura (por exemplo, currículo, conhecimento escolar, cultura, identidade, poder etc.), outros já exigem um domínio prévio de fundamentos teóricos que comumente iniciantes não possuem (por exemplo, modernismo e pós-modernismo, estruturalismo e pós-estruturalismo etc.). No entanto, os que desejarem continuar aprofundando seus estudos sobre currículo poderão lançar mão das referências bibliográficas indicadas pelo autor.
ALGUMAS QUESTÕES
É preciso refletir sobre a distância entre toda esta teorização acadêmica enfocada por Silva e a realidade da escola pública em Goiás. Como encurtá-la? Como fazer isso quando essa “distância” muitas vezes já está cristalizada dentro dos nossos cursos de licenciatura?
Universalizar o saber relativo à cultura corporal é um direito da classe trabalhadora, logo, uma questão de democracia e justiça social (como reza a boa tradição moderna); isto, porém, não exigiria uma compreensão dos signos sociais racistas, machistas, cristãos, heterossexuais, eurocêntricos etc., tatuados nesta mesma cultura corporal (como propõe profanamente a pós-modernidade)?
RELACIONANDO COM A EDUCAÇÃO FÍSICA
Potencialmente o livro instrumentaliza estudantes e professores para uma visão crítica da escola e de seu currículo quando, por exemplo, nos incentiva a ver ligações entre Educação Física e identidades sociais, assim como questões de gênero, raça e etnia, além de (é claro) classe social; incentiva-nos ainda a ver relações também entre uma cultura corporal “erudita” e outra “popular”; ou, quem sabe, entre uma “pedagogia moderna” e outra “pós-moderna” da Educação Física etc. Acreditamos ainda que os cursos de licenciatura de Educação Física devem enriquecer a formação inicial de seus professores com a discussão sobre teorias do currículo que complementam – dialeticamente – aquelas referências às teorias da educação, sociedade, aprendizagem, fisiologia etc, o que comumente as demais licenciaturas já fazem.
Nesse sentido, é preciso superar falsas dicotomias do tipo teoria crítico-superadora versus crítico-emancipatória, em prol de um diálogo mais efetivo entre ambas (resguardadas suas diferenças e conflitos), tendo em vista o gesto utópico e libertário que ambas buscam lançar para o futuro. Precisamos também aprender melhor a descolonizar currículos de Educação Física tão cheios de figuras (logo, identidades) como Michael Jordan, Airton Sena, Romário etc., que não raras vezes tipificam um mundo capitalista de luxo, consumo e alienação, em favor de figuras como Zumbi dos Palmares, mestres Bimba e João Pequeno, Garrincha etc., que não raras vezes tipificam um mundo ‘subalterno’, dos ‘de baixo’, diria Gramsci.
Em relação ao currículo oculto, quantos estudos temos sobre ele na Educação Física? Que sabemos sobre seus possíveis efeitos em nossas aulas e demais experiências de ensino? O fato de que a quadra de esportes integra ‘oficial’ e quase que ‘naturalmente’ a arquitetura de uma escola não revela aí material para reflexão sobre os efeitos ‘ocultos’ que isso pode ter na subjetividade de nossas crianças?
Quanto ao multiculturalismo, que seria uma cultura corporal multicultural? A cultura corporal brasileira não é há muito dotada de grande diversidade, dada a contribuição dos diferentes povos, raças e etnias que a constituem, como, por exemplo, as práticas corporais indígenas (corrida de tora, arco e flecha), afro-brasileiras (maculelê, capoeira), européias (futebol da Inglaterra, jogo de bocha italiano), asiáticas (artes marciais)? A imposição de uma corporeidade-padrão nas escolas não reflete o imperialismo cultural, logo, a hegemonia de uma corporeidade quase sempre branca, cristã, burguesa, eurocêntrica, heterossexual, machista, racista etc.?
Tratando-se de pós-modernismo/estruturalismo, podemos dizer que eles possuem uma vertente crítica e outra conservadora, esta última um sustentáculo ideológico do capitalismo globalizado. Ambas se fazem presentes na Educação Física brasileira. Basta ver as pesquisas e publicações em periódicos e revistas, bem como simpósios, seminários e congressos da área. Contudo, precisamos saber mais sobre seus efeitos em termos de formação de professores, produção de conhecimentos e intervenção pedagógica. É fundamental, também, saber como e até onde as “provocações” pósmodernas/estruturalistas têm sido enfrentadas com responsabilidade (fugir delas é um equívoco histórico). E entre outras indagações interessantes podem-se destacar: até que ponto e como a tendência à fragmentação pós-moderna está presente, por exemplo, nas diretrizes curriculares nacionais que colocam – em boa medida – a formação, tanto do bacharel quanto do licenciado, à mercê das ‘forças cegas’ e anárquicas do mercado? Até onde e como a tendência pós-moderna de abandono das grandes transformações coletivas em prol de causas privadas, individualistas, não acarreta um deslocamento de identidades, fazendo com que cada vez mais egressos dos cursos superiores de Educação Física busquem se tornar (ou sonhem em ser) personal-trainners e cada vez menos educadores públicos?
Por seu lado, os estudos culturais nos trazem novas possibilidades de pesquisa e/ou intervenção a partir da cultura corporal veiculada pela TV aberta e a cabo, internet, gibis e revistas em quadrinhos, cinema, vídeos, Dvd’s, videogames (para ficarmos apenas em alguns exemplos). Todos esses canais influenciam a nossa cultura corporal e, claro, a de nossos alunos, com sérias conseqüências em termos de prática pedagógica. Se quisermos pensar a nossa prática, não podemos deixar todo esse material cultural literalmente do lado de fora de nossos currículos, sabendo que eles estão absolutamente dentro do imaginário de práticas corporais de nossas crianças.4
Para ampliar nossa compreensão do currículo de Educação Física, recorremos a ‘outras abordagens, outras metáforas, outros conceitos’, que nos permitissem alcançar essa meta. Pois, como sabemos, a teoria do currículo
tem se beneficiado enormemente de uma abordagem voltada para sua economia política, uma abordagem que deve muito às influências marxistas. Essa abordagem nos permitiu analisar o currículo em suas vinculações com a economia e a produção de características pessoais para o mercado de trabalho capitalista. Essas compreensões constituem ainda hoje recursos importantes de uma teoria crítica do currículo. Elas não devem ser abandonadas. Continuamos a ser uma sociedade capitalista, uma sociedade governada pelo processo de produção de valor e de mais-valia. Ligar o currículo a este processo é um dos avanços fundamentais que devemos à vertente crítica da teoria do currículo. Isso não exclui, entretanto, outras abordagens, outras metáforas, outros conceitos, que possibilitem que ampliemos nossa compreensão daquilo que se passa no nexo entre transmissão de conhecimento e produção de identidades sociais, isto é, no currículo. Acredito que o papel de uma teoria crítica do currículo é o de ampliar essa compreensão, não o de estreitá-la. (Silva, 1996, p. 178)5
Entretanto, apontar novas possibilidades de desenvolvimento teórico e metodológico à pedagogia, ao currículo e ao ensino, numa perspectiva crítica e dialética, não pode, sob nenhuma hipótese, ser confundido com a ‘fundação’ ou ‘descobrimento’ (seguido de aquisição dos direitos de propriedade e da patente) da pedagogia dialética, ‘final e absoluta’ da Educação Física.

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